VENDER
SEM TRÉGUA, NECESSIDADE CRIMINOSA DA GLOBALIZAÇÃO
Publicado
originalmente em La Jornada, 8 de setembro de 2002
Tradução
Imediata
Triunfo
da morte, Brueghel
A
forma de un bolso (The shape of a pocket) é o título
do novo livro de John Berger, que inclui a correspondência
do escritor e crítico de arte britânico com o subcomandante
Marcos, de cujo conteúdo oferecemos a nossos leitores uma
prévia, graças à generosidade das Ediciones
Era.
Na
história da pintura podem ser encontradas, às vezes,
estranhas profecias. Profecias que fugiam à intenção
do próprio pintor. É quase como se o visível
pudesse, por si mesmo, ter seus próprios pesadelos. Por
exemplo, em O triunfo da morte, de Brueghel, pintado na década
de 1560 e que agora se encontra no Museu do Prado, já há
uma certa profecia terrível dos campos de extermínio
nazistas.
A
maioria das profecias, quando são específicas, estão
destinadas a serem más, porque ao longo da história,
surgem terrores sempre novos -inclusive se alguns desses terrores
desaparecem-, porém não existem felicidades novas:
a felicidade é sempre a felicidade velha. São os
modos de lutar por essa felicidade que mudam.
Meio
século antes de Brueghel, Hieronymus Bosch pintou seu Tríptico
do Milênio, que também se encontra no El Prado. O
painel da esquerda mostra Adão e Eva no Paraíso,
o grande painel central descreve o Jardim das Delícias
e o da direita representa o Inferno. E esse inferno converteu-se
em uma estranha profecia do clima mental que impuseram ao mundo
no fim do nosso século a globalização e a
nova ordem econômica.
Tríptico
do Milênio, Hieronymus Bosch
Gostaria
de explicar como ocorreu. Tem pouco a ver com o simbolismo empregado
na pintura. Os símbolos de Bosch provavelmente provinham
da linguagem secreta, proverbial e herética de certas seitas
milenaristas do século XV que acreditavam, hereticamente,
que se o mal pudesse ser superado, seria possível criar
o paraíso na terra. Foram escritos muitos ensaios sobre
as alegorias que se encontram na obra de Bosch.(1) Porém
se a sua visão de inferno é profética, essa
profecia não reside tanto nos detalhes -que são
inquietantes e grotescos-, como no conjunto. Ou, para dizê-lo
de outro modo, naquilo que constitui o espaço do inferno.
Não
há horizonte. Não há continuidade entre as
ações, não há pausas, não há
rotas, não há patrão, não há
passado e não há futuro. Só existe o clamor
do disparatado e fragmentário presente. Por todas as partes
há surpresas e sensações, porém em
nenhuma parte há desenlaces. Nada flui de través:
tudo interrompe. Há uma espécie de delírio
espacial.
Compare
esse espaço com aquele que sê vê em uma barra
publicitária ou em um típico boletim de notícias
da CNN ou de qualquer programa de notícias dos meios de
comunicação. Há uma incoerência comparável,
una selva comparável de estímulos separados, um
frenesi similar.
A
visão de Bosch profetizava a imagem do mundo que nos é
comunicada hoje pelos meios de comunicação sob o
impacto da globalização, com sua criminosa necessidade
de vender sem trégua. Ambas são como quebra-cabeças
cujas infelizes peças não concordam.
E
este foi precisamente o termo que o subcomandante Marcos utilizou
em uma carta sobre a nova ordem mundial, no ano passado. Escrevia
de Chiapas, no sudeste do México.(2) Ele vê o planeta
hoje em dia como o campo de batalha em que tem lugar a Quarta
Guerra Mundial. (A Terceira foi a chamada Guerra Fria). A meta
dos beligerantes é conquistar o mundo inteiro por meio
do mercado. Os arsenais são financeiros; apesar disso,
há milhões de pessoas mutiladas ou mortas a cada
minuto. O objetivo dos que fazem a guerra é dominar o mundo
a partir de centros de poder novos e abstratos - megapolis do
mercado, que não se submeterá a nenhum controle,
exceto aquele da lógica do investimento. Entretanto nove
entre dez mulheres e homens do planeta vivem com as peças
quebradas que não encaixam.
O
quebra-cabeças do painel de Bosch é tão parecido
que quase espero encontrar ali as sete peças que Marcos
enumerou.
A
primeira peça tem o signo do dólar e é verde.
Consiste na nova concentração da riqueza global
em cada vez menos mãos e a distribuição sem
precedentes de uma pobreza sem esperanças.
A
segunda peça é triangular e consiste em uma mentira.
A nova ordem proclama que racionaliza e moderniza a produção
e o esforço humanos. Na realidade, é um regresso
à barbárie de princípios da Revolução
Industrial, com a importante diferença de que esta vez
a barbárie não está cotejada por nenhuma
consideração ou princípio ético que
se oponha a ela. A nova ordem é fanática e totalitária.
(Dentro do seu sistema não há apelação.
Seu totalitarismo não se refere à política
-a qual, de seu ponto de vista, já foi superada- mas ao
controle monetário mundial). Pense nas crianças.
Centenas de milhões no mundo vivem na rua. Duzentos milhões
formam parte da força de trabalho mundial.
A
terceira peça é redonda como um círculo vicioso.
Consiste na migração forçada. Os mais empreendedores
entre os que não têm nada procuram emigrar para sobreviver.
Porém a nova ordem trabalha dia e noite segundo o princípio
de que alguém que não produz, que não consome,
que não tem dinheiro para colocar no banco, fica sobrando.
De modo que os emigrantes, os sem terra, os sem casa, são
tratados como desperdícios do sistema: descartáveis.
A
quarta peça é retangular como um espelho. Consiste
no incessante intercâmbio entre os bancos comerciais e o
crime organizado mundial, porque também o crime se globalizou.
A
quinta peça é mais ou menos um pentágono.
Consiste na repressão física. Sob a nova ordem mundial,
os estados nacionais perderam sua independência econômica,
sua iniciativa política e sua soberania. (A nova retórica
da maioria dos políticos busca disfarçar sua falta
de poder político, distinto do poder cívico ou repressivo.)
A nova tarefa dos estados nacionais é administrar o que
lhes é designado, proteger os interesses das megaempresas
do mercado e, sobretudo, controlar e vigiar os que ficaram sobrando.
A
sexta peça é o perfil de uma garatuja e consiste
em uma multiplicação das fraturas. De um lado, a
nova ordem acaba com as fronteiras e as distâncias através
da instantaneidade da telecomunicação das operações
e transações internacionais, mediante zonas obrigatórias
de livre comércio (TLCAN) e pela imposição
em todas as partes da única e inquestionável lei
do mercado; e de outro, provoca uma fragmentação
e uma proliferação de fronteiras, ao liquidar o
Estado nacional, por exemplo, a antiga União Soviética,
a Iugoslávia , etc. "Um mundo de espelhos quebrados", escreveu
Marcos, "que refletem a inútil unidade mundial do quebra-cabeças
neoliberal".
A
sétima peça do quebra-cabeças tem a forma
de um bolso, e consiste em todos os diversos bolsões de
resistência contra a nova ordem que estão surgindo
em todo o globo. Os zapatistas no sudeste mexicano são
um desses bolsões. Outros, em diferentes circunstâncias,
não elegeram necessariamente uma resistência armada.
Os muitos bolsões não têm um programa político
comum. Como poderiam tê-lo, se existem em um quebra-cabeças
quebrado? Porém sua heterogeneidade pode ser comprometedora.
Aquilo que eles têm em comum é a defesa daqueles
que ficam sobrando, os prescindíveis, e sua crença
de que a Quarta Guerra Mundial é um crime contra a humanidade.
As
sete peças nunca concordarão para adquirir nenhum
sentido. Essa falta de sentido, esse absurdo, é endêmico
à nova ordem. Como Bosch antecipou em sua visão
do inferno, não há horizonte. O mundo arde. Cada
figura trata de sobreviver concentrando-se em sua necessidade
e sua sobrevivência próprias e imediatas. A claustrofobia,
em sua versão extrema, não é causada pela
aglomeração, mas pela falta de qualquer continuidade
entre uma ação e a seguinte, que estão tão
perto uma da outra que chegam a se tocar. Isso é o que
resulta um inferno.
A
cultura em que vivemos é talvez a mais claustrofóbica
que jamais tenha existido; na cultura da globalização,
como no inferno de Bosch, não há resquício
de outro lugar ou de outra maneira. O dado é uma prisão.
E frente a tal reducionismo, a inteligência humana se reduz
à ganância.
Marcos
terminava sua carta dizendo: ''É necessário fazer
um mundo novo, um mundo onde caibam muitos mundos, onde caibam
todos os mundos".
O
que o quadro de Bosch faz é nos lembrar - se as profecias
puderem ser chamadas de lembretes- que o primeiro passo para construir
um mundo alternativo é repudiar a imagem do mundo implantada
em nossas mentes e todas as falsas promessas que se empregam em
todas as partes para justificar e idealizar a necessidade criminosa
e insaciável de vender. É vitalmente necessário
outro espaço.
Primeiro,
deve ser descoberto um horizonte. E para ele temos que reencontrar
a esperança. Apesar de tudo o que a nova ordem pretende
e perpetra.
A
esperança, contudo, é um ato de fé e tem
que ser sustentado por outras ações concretas. Por
exemplo, a ação de aproximar-se, de se medirem distâncias
e de caminhar em alguma direção. Isso conduzirá
a colaborações que negam a discontinuidade . O ato
de resistência não significa só negar de se
aceitar o absurdo da imagem do mundo que nos é oferecida,
mas denunciá-la. E quando o inferno é denunciado
a partir de dentro, deixa de ser inferno.
Nos
bolsões de resistência, tal como existem hoje, podem
ser estudados os outros dois painéis do tríptico
de Bosch, com Adão e Eva, e o Jardim das Delícias,
à luz das tochas, na obscuridão
. Precisamos
deles.
Gostaria
de citar de novo o poeta argentino Juan Gelman.(3)
Chegou
a morte com sua recordação/
nós
vamos empreender outra vez
a
luta/ outra vez vamos começar
outra
vez vamos começar nós
contra
a grande derrota do mundo/
companheirinhos
que não terminam/ ou
ardem
na memória como fogos
outra
vez/ outra vez/ outra vez..
1.
Um dos mais originais, embora bastante polêmico, é
The Millennium of Hieronymus Bosch, de Wilhelm Fraenger, Faber,
Londres. 1952.
2.
Esta carta foi publicada em agosto de 1997 na imprensa mundial,
e particularmente no Le Monde Diplomatique. (''Sete peças
soltas do quebra-cabeças mundial", EZLN. Documentos e comunicados,
t.4. Era, México, 2002, pp.31-56).
3.
Berger cita o livro de Juan Gelman, Un-thinkable Tendermess, tradução
de Joan Lindgren, University of California Press, 1997. Os versos
pertencem ao poema ''Esperan", do livro Si dulcemente, Lumen,
Barcelona, 1980. (Tradução: Paloma Villegas)
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8
de septiembre de 2002
Vender sin pausa, criminal necesidad de la globalización
John
Berger
La
Jornada
La
forma de un bolsillo (The shape of a pocket) se titula el nuevo
libro de John Berger, que incluye la correspondencia del escritor
y crítico de arte británico con el subcomandante
Marcos, de cuyo contenido ofrecemos a nuestros lectores un adelanto
merced a la generosidad de Ediciones Era
En
la historia de la pintura se pueden encontrar a veces extrañas
profecías. Profecías que el pintor no tuvo intención
de que fueran tales. Es casi como si lo visible pudiera por sí
mismo tener sus propias pesadillas. Por ejemplo, en El triunfo
de la muerte, de Brueghel, pintado en la década de 1560
y que ahora se halla en el Museo del Prado, hay ya cierta profecía
terrible de los campos de exterminio nazis.
La
mayoría de las profecías, cuando son específicas,
están destinadas a ser malas porque, a lo largo de la historia,
surgen terrores siempre nuevos -incluso si algunos desaparecen-,
pero no hay felicidades nuevas: la felicidad es siempre la vieja
felicidad. Son los modos de luchar por esa felicidad los que cambian.
Medio
siglo antes de Brueghel, Hieronymus Bosch pintó su Tríptico
del milenio, que también se encuentra en El Prado. El panel
de la izquierda muestra a Adán y Eva en el Paraíso,
el gran panel central describe el Jardín de las Delicias
y el de la derecha representa el Infierno. Y ese infierno se ha
convertido en una extraña profecía del clima mental
que han impuesto al mundo al final de nuestro siglo la globalización
y el nuevo orden económico.
Quisiera
explicar cómo ha ocurrido. Tiene poco que ver con el simbolismo
empleado en la pintura. Los símbolos del Bosco probablemente
venían del lenguaje secreto, proverbial y herético
de ciertas sectas milenaristas del siglo XV que creían,
heréticamente, que si el mal pudiera ser superado, sería
posible crear el paraíso en la tierra. Se han escrito muchos
ensayos sobre las alegorías que se encuentran en la obra
del Bosco.(1) Pero si su visión del infierno es profética,
esa profecía no reside tanto en los detalles -así
sean inquietantes y grotescos-, sino en el conjunto. O, para decirlo
de otro modo, en lo que constituye el espacio del infierno.
No
hay horizonte. No hay continuidad entre las acciones, no hay pausas,
no hay rutas, no hay patrón, no hay pasado y no hay futuro.
Sólo existe el clamor del disparatado y fragmentario presente.
Por todas partes hay sorpresas y sensaciones, pero en ninguna
parte hay desenlaces. Nada fluye a través: todo interrumpe.
Hay una especie de delirio espacial.
Compara
ese espacio con el que uno ve en una barra publicitaria o en un
típico boletín de noticias de la CNN o cualquier
programa de noticias de los medios. Hay una incoherencia comparable,
una selva comparable de estímulos separados, un frenesí
similar.
La
visión del Bosco profetizaba la imagen del mundo que nos
es comunicada hoy por los medios bajo el impacto de la globalización,
con su criminal necesidad de vender sin pausa. Ambas son como
rompecabezas cuyas infortunadas piezas no concuerdan.
Y
éste fue precisamente el término que el subcomandante
Marcos utilizó en una carta sobre el nuevo orden mundial,
el año pasado... Escribía desde Chiapas, en el sureste
de México.(2) El ve el planeta hoy día como el campo
de batalla en que tiene lugar la Cuarta Guerra Mundial. (La Tercera
fue la llamada Guerra Fría). La meta de los beligerantes
es conquistar el mundo entero por medio del mercado. Los arsenales
son financieros; sin embargo,
hay
millones de personas mutiladas o muertas cada minuto. El objetivo
de los que hacen la guerra es dominar el mundo desde centros de
poder nuevos y abstractos -megápolis del mercado, que no
se someterá a ningún control salvo el de la lógica
de la inversión. Entre tanto nueve décimas partes
de las mujeres y los hombres que habitan el planeta viven con
las piezas rotas que no encajan.
El
rompecabezas del panel del Bosco es tan similar que casi espero
encontrar allí las siete piezas que Marcos enumeró.
La
primera pieza tiene un signo de dólar y es verde. Consiste
en la nueva concentración de la riqueza global en cada
vez menos manos y la distribución sin precedentes de una
pobreza sin esperanzas.
La
segunda pieza es triangular y consiste en una mentira. El nuevo
orden proclama que racionaliza y moderniza la producción
y el esfuerzo humano. En realidad es un regreso a la barbarie
de principios de la Revolución Industrial, con la importante
diferencia de que esta vez la barbarie no está acotada
por ninguna consideración o principio ético que
se le oponga. El nuevo orden es fanático y totalitario.
(Dentro de su sistema no hay apelación. Su totalitarismo
no se refiere a la política -que, desde su punto de vista,
ya ha sido superada- sino al control monetario mundial). Piensa
en los niños. Cien millones en el mundo viven en la calle.
Doscientos millones forman parte de la fuerza de trabajo mundial.
La
tercera pieza es redonda como un círculo vicioso. Consiste
en la migración forzada. Los más emprendedores entre
quienes no tienen nada intentan emigrar para sobrevivir. Pero
el nuevo orden trabaja día y noche según el principio
de que alguien que no produce, que no consume, que no tiene dinero
para poner en el banco, sale sobrando. Así que los emigrantes,
los sin tierra, los sin casa, son tratados como desperdicios del
sistema: desechables.
La
cuarta pieza es rectangular como un espejo. Consiste en el incesante
intercambio entre los bancos comerciales y el crimen organizado
mundial, porque también el crimen se ha globalizado.
La
quinta pieza es más o menos un pentágono. Consiste
en la represión física. Bajo el nuevo orden, los
estados nacionales han perdido su independencia económica,
su iniciativa política y su soberanía. (La nueva
retórica de la mayoría de los políticos intenta
disfrazar su falta de poder político, distinto del poder
cívico o represivo). La nueva tarea de los estados nacionales
es administrar lo que les es asignado, proteger los intereses
de las megaempresas del mercado y, sobre todo, controlar y vigilar
a los que salen sobrando.
La
sexta pieza es el perfil de un garabato y consiste en una multiplicación
de las fracturas. Por una parte, el nuevo orden acaba con las
fronteras y las distancias mediante la instantaneidad de la telecomunicación
de las operaciones y los tratos comerciales, mediante zonas obligatorias
de libre comercio (TLCAN) y por la imposición en todas
partes de la única e incuestionable ley del mercado; y
por otra parte, provoca fragmentación y una proliferación
de fronteras, al liquidar el Estado nacional, por ejemplo, la
antigua Unión Soviética, Yugoslavia, etcétera.
''Un mundo de espejos rotos", escribió Marcos, ''que reflejan
la inútil unidad mundial del rompecabezas neoliberal".
La
séptima pieza del rompecabezas tiene la forma de un bolsillo,
y consiste en todos los diversos bolsillos de resistencia contra
el nuevo orden que están surgiendo en todo el globo. Los
zapatistas en el sureste mexicano son una de esas bolsas. Otros,
en diferentes circunstancias, no han elegido necesariamente la
resistencia armada. Los muchos bolsillos no tienen un programa
político común. ¿Cómo podrían
tenerlo, si existen en un rompecabezas roto? Pero su heterogeneidad
puede ser prometedora. Lo que tienen en común es su defensa
de los que salen sobrando, los prescindibles, y su creencia en
que la Cuarta Guerra Mundial es un crimen contra la humanidad.
Las
siete piezas nunca concordarán para adquirir ningún
sentido. Esa falta de sentido, este absurdo, es endémico
del nuevo orden. Como el Bosco anticipó en su visión
del infierno, no hay horizonte. El mundo arde. Cada figura trata
de sobrevivir concentrándose en su necesidad y su supervivencia
propias e inmediatas. La claustrofobia, en su versión extrema,
no está causada por el amontonamiento, sino por la falta
de cualquier continuidad entre una acción y la siguiente,
que están tan cerca que se tocan. Esto es lo que resulta
un infierno.
La
cultura en que vivimos es tal vez la más claustrofóbica
que jamás ha existido; en la cultura de la globalización,
como en el infierno del Bosco, no hay ni un resquicio de otro
lugar o de otra manera. Lo dado es una prisión. Y frente
a tal reduccionismo, la inteligencia humana se reduce a la codicia.
Marcos
terminaba su carta diciendo: ''Es necesario hacer un mundo nuevo,
un mundo donde quepan muchos mundos, donde quepan todos los mundos".
Lo
que el cuadro del Bosco hace es recordarnos -si las profecías
se pueden llamar recordatorios- que el primer paso para construir
un mundo alternativo es rechazar la imagen del mundo implantada
en nuestras mentes y todas las falsas promesas que se emplean
en todas partes para justificar e idealizar la necesidad criminal
e insaciable de vender. Es vitalmente necesario otro espacio.
Primero,
hay que descubrir un horizonte. Y para ello tenemos que rencontrar
la esperanza. A pesar de todo lo que el nuevo orden pretende y
perpetra.
La
esperanza, sin embargo, es un acto de fe y tiene que estar sostenido
por otras acciones concretas. Por ejemplo, la acción de
acercarse, medir distancias y caminar hacia. Esto conducirá
a colaboraciones que nieguen la discontinuidad. El acto de resistencia
no significa sólo negarse a aceptar el absurdo de la imagen
del mundo que se nos ofrece, sino denunciarlo. Y cuando el infierno
es denunciado desde adentro, deja de ser infierno.
En
los bolsillos de resistencia tal como existen hoy, se pueden estudiar
los otros dos paneles del tríptico del Bosco, con Adán
y Eva y el Jardín de las Delicias, a la luz de las antorchas,
en la oscuridad... Los necesitamos.
Me
gustaría citar de nuevo al poeta argentino Juan Gelman.(3)
Llegó
la muerte con su recordación/
nosotros
vamos a emprender otra vez
la
lucha/ otra vez vamos a empezar
otra
vez vamos a empezar nosotros.
contra
la gran derrota del mundo/
compañeritos
que no terminan/ o
arden
en la memoria como fuegos
otra
vez/ otra vez/ otra vez.
1.
Uno de los más originales, si bien polémico, es
The Millennium of Hieronymus Bosch, de Wilhelm Fraenger, Faber,
Londres. 1952.
2.
Esta carta se publicó en agosto de 1997 en la prensa mundial,
y particularmente en Le Monde Diplomatique. (''Siete piezas sueltas
del rompecabezas mundial", EZLN. Documentos y comunicados, t.4.
Era, México, 2002, pp.31-56).
3.
Berger cita el libro de Juan Gelman, Un-thinkable Tendermess,
traducción de Joan Lindgren, University of California Press,
1997. Los versos pertenecen al poema ''Esperan", del libro Si
dulcemente, Lumen, Barcelona, 1980. (Traducción: Paloma
Villegas)
samba<info@imediata.com>
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