John
Berger
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A
MUDEZ DOS PODEROSOS
Francis
Bacon Quando o drama de um artista reflete a crise de uma
civilização
JOHN
BERGER*
Tradução
Imediata
Francis
Bacon, Study from the Human Body, 1981
Visitem
a mostra de Francis Bacon no Museu Maillol de Paris. Leiam o último
livro de Susan Sontag, Frente à dor dos outros.
A mostra, apesar do estúpido subtítulo, "Sagrado
e profano", representa de modo sucinto a obra de uma vida.
O livro é uma extraordinária, profunda meditação
sobre a guerra, as mutilações físicas, e
o efeito das fotografias de guerra. Em algum lugar da minha cabeça,
o livro e a mostra convergem. De que maneira ainda não
está claro
Como
pintor figurativo, Bacon tinha a habilidade de um Fragonard. (A
comparação o teria divertido. Ambos eram pintores
especialistas em sensações físicas
um do prazer, o outro da dor). A habilidade de Bacon compreensivelmente
intrigou e colocou à prova pelo menos duas gerações
de pintores. Se por cinqüenta anos eu tive uma atitude crítica
com relação à sua obra, é porque estava
convencido de que ele pintava para chocar, a si próprio
e aos outros. E uma motivação desse tipo, pensava
eu, teria fracassado com o tempo. Na semana passada, enquanto
ia para cima e para baixo em frente aos quadros da Rue de Grenelles,
percebi algo que até então não tinha ainda
compreendido, e experimentei uma imensa gratidão por um
pintor cuja obra tinha colocado em questão por todo aquele
tempo.
A
partir do final dos anos trinta e até a sua morte em 1992,
Bacon observou a crueldade do mundo, pintando vez após
outra o corpo humano ou partes do corpo humano em estado de dor,
de necessidade ou em agonia. Às vezes, a dor sugerida parece
ter sido infligida, mais freqüentemente parece provir do
interior, das vísceras do próprio corpo, de sua
infeliz condição física. Bacon quis brincar
com o próprio nome para se construir um mito e conseguiu.
Alegava ser descendente do seu homônimo, o filósofo
empirista inglês do século XVI, e pintava a carne
humana como se fosse uma fatia de toucinho defumado.
Não
é isso, contudo, que torna o seu mundo mais cruel do que
qualquer outro mundo pintado antes. A arte européia é
cheia de assassinatos, execuções e martírios.
Em Goya, o primeiro artista do século XX (isso mesmo, do
século XX), percebe-se o desdenho do artista. A diferença,
na visão de Bacon, é que não existem testemunhas
nem dor. Nem um dos personagens pintados por ele percebe o que
está acontecendo ao outro. Uma indiferença tão
ubíqua é mais cruel que qualquer mutilação.
Depois, há a mudez dos cenários nos quais coloca
suas figuras. Essa mudez é como a temperatura de um congelador,
que permanece constante, independentemente daquilo que colocarmos
dentro dele. O teatro de Bacon, diferentemente daquele de Artaud,
tem pouco a ver com os rituais, já que em torno de suas
figuras não há espaço que acolha os seus
gestos. Cada calamidade levada em cena é como um mero incidente
colateral.
Por
toda a vida essa sua visão foi alimentada e obcecada pelos
melodramas de um círculo boêmio muito provincial,
onde ninguém se interessava por aquilo que estava acontecendo
em outros lugares. Apesar disso
o mundo cruel que Bacon
evocava e tentava exorcizar se revelou profético. Pode
acontecer que, em um período de 50 anos, o drama pessoal
de um artista reflita a crise de uma inteira civilização.
De que maneira? Misteriosamente.
O
mundo não foi sempre cruel? Talvez a crueldade mais antiga
é mais persistente, amplamente difundida e contínua.
Não poupa nem o planeta nem seus habitantes. Abstrata,
à medida em que deriva exclusivamente da lógica
da busca do lucro (fria como o congelador), a crueldade contemporânea
ameaça tornar obsoletos todos os demais conjuntos de certezas,
e com elas, o hábito de enfrentar a crueldade da vida com
dignidade e alguma centelha de esperança.
Mas,
voltando a Bacon e àquilo que o seu mundo revela. Ele usava
obsessivamente a linguagem da pintura e as referências temáticas
de pintores do passado - Velasquez, Michelangelo, Ingres, Van
Gogh. Essa "continuidade" torna ainda mais devastadora
sua visão.
A
idealização que o Renascimento fez do corpo humano
nu, a promessa de redenção da Igreja, a noção
clássica do heroísmo, a ardente fé na democracia,
típica do século XIX, de Van Gogh: a visão
do artista revela que elas estão em ruínas, impotentes
frente à crueldade. Bacon recolhe os pedaços e os
usa como tampões. Eu não tinha percebido isso antes.
Eis a revelação.
Uma
revelação que confirma uma intuição:
hoje, servir-se do vocabulário tradicional, utilizado pelos
poderosos e pela mídia, só aumenta a obscuridade
e a desolação nas quais estamos submersos. Há
uma série de palavras e de frases feitas, roubadas do passado,
cuja difusão deve ser agora categoricamente rejeitada.
Termos como liberdade, terrorismo, segurança, democrático,
fanático, anti-semita, etc. foram reduzidos a farrapos
para camuflar a nova crueldade imperante.
Mas
isso não significa necessariamente o silêncio. Significa
escolher as vozes com as quais nos desejamos unir. A época
histórica atual é a era do Muro. Quando caiu aquele
de Berlim, foram desenrolados os desenhos preparados para se construírem
muros por todas as partes. Muros reais, burocráticos, de
controle, de segurança, racistas, zonas de amortecimento.
Em todas as partes, os muros separam quem é desesperadamente
pobre de quem espera, contra todas as evidências, continuar
a ser relativamente rico. Os muros atravessam todas as esferas,
do trabalho agrícola à saúde. Existem também
nas metrópoles mais ricas do mundo. O Muro é a primeira
linha daquilo que, há muito tempo, se chamava luta de classes.
De
um lado: cada armamento concebível, o sonho de guerras
sem um só saco de plástico, as mídias, abundância,
higiene, numerosos acessos ao glamour. Do outro: pedras, o viver
escasso, vinganças, doenças que se difundem, a aceitação
da morte e a contínua preocupação de se sobreviver
uma outra noite ou talvez uma outra semana juntos.
Hoje,
no mundo, a escolha de sentido é feita entre as duas faces
do muro. O muro é também interior, dentro de cada
um de nós. Dentro de nós, independentemente de nossa
condição, podemos escolher com qual lado do muro
estar em sintonia. Não se trata de um muro entre o bem
e o mal. Bem e mal existem em ambos os lados. A escolha é
entre o respeito de si e o caos de si.
Do
lado dos poderosos há um conformismo do medo eles
não conseguem esquecer nunca o muro e um mover-se
dos lábios para emitir palavras que não significam
mais nada. Bacon pintou exatamente esta mudez.
Do
outro, há as múltiplas e discrepantes linguagens,
às vezes em vias de extinção; linguagens
cujos vocabulários podem nos ajudar a dar um sentido à
vida, mesmo se, e sobretudo se, esse sentido seja trágico..
Quando
minhas palavras eram trigo/Eu era terra./ Quando minhas palavras
eram cólera/ Eu era furacão./ Quando minhas palavras
eram pedra/ Eu era rio./ Quando minhas palavras se transformaram
em mel/ de moscas se cobriram meus lábios. (Mahmud
Darwish, Words, em SAND and Other Poems, 1986).
Bacon
pintou impavidamente a mudez, e nisso não estava ele talvez
mais próximo daqueles que estão do outro lado, daqueles
para os quais os muros não são mais que um dos tantos
obstáculos a serem superados, mesmo se isso comporta arriscar
a vida para aqueles que virão? Eu não o excluiria
Quincy,
30 de abril de 2004
Il
mutismo dei potenti
De
Il Manifesto de 5 de maio de 2004
Francis
Bacon Quando il dramma di un artista riflette la crisi di una
civiltà
JOHN
BERGER*
Visitate
la mostra di Francis Bacon al Museo Maillol di Parigi. Leggete
l'ultimo libro di Susan Sontag, Davanti al dolore degli altri
(Mondadori 2003). La mostra, nonostante lo stupido sottotitolo,
´Sacro e profanoª, rappresenta in modo succinto l'opera
di una vita. Il libro è una straordinaria, profonda meditazione
sulla guerra, le mutilazioni fisiche, e l'effetto delle fotografie
di guerra. Da qualche parte nella mia testa libro e mostra si
tengono. In che modo, non mi è ancora chiaro....
Come
pittore figurativo, Bacon aveva l'abilità di un Fragonard.
(Il paragone lo avrebbe divertito. Entrambi erano pittori esperti
di sensazioni fisiche - l'uno del piacere, l'altro del dolore).
L'abilità di Bacon ha comprensibilmente intrigato e messo
alla prova almeno due generazioni di pittori. Se per cinquant'anni
ho avuto un atteggiamento critico nei confronti della sua opera,
è perché ero convinto che dipingesse per scioccare,
se stesso e gli altri. E una motivazione del genere, pensavo,
si sarebbe logorata col tempo. La settimana scorsa, mentre andavo
su e giù davanti ai quadri di Rue des Grenelles, mi sono
accorto di qualcosa che fino ad allora non avevo capito, e ho
provato una gratitudine improvvisa per un pittore di cui avevo
messo in discussione l'opera per tutto quel tempo.
A
partire dagli ultimi anni trenta e fino alla morte nel 1992, Bacon
ha osservato la crudeltà del mondo, dipingendo più
e più volte il corpo umano o parti del corpo umano in pena,
in preda al bisogno o in agonia. A volte il dolore implicato sembra
essere stato inflitto, più spesso pare originarsi dall'interno,
dalle viscere del corpo stesso, dalla sua sventurata fisicità.
Bacon volle giocare con il proprio nome per costruirsi un mito
e ci riuscì. Sosteneva di discendere dal suo omonimo, il
filosofo empirista inglese del XVI sec., e dipingeva la carne
umana come se fosse una fetta di pancetta affumicata.
Non
è questo, tuttavia, a rendere il suo mondo più crudele
di qualsiasi altro mondo mai dipinto prima. L'arte europea è
piena di assassini, esecuzioni e martiri. In Goya, il primo artista
del XX sec. (il XX, sì), si percepisce lo sdegno dell'artista.
La differenza, nella visione di Bacon, è che non ci sono
testimoni né dolore.
Non
uno, tra i personaggi da lui dipinti, si accorge di quanto sta
succedendo all'altro. Un'indifferenza tanto ubiqua è più
crudele di qualsiasi mutilazione. C'è poi il mutismo degli
scenari in cui colloca le sue figure. Questo mutismo è
come la temperatura di un congelatore, che rimane costante qualunque
cosa ci si metta dentro. Il teatro di Bacon, a differenza di quello
di Artaud, ha poco a che fare con i rituali, poiché attorno
alle sue figure non c'è uno spazio che ne accolga i gesti.
Ogni calamità portata sulla scena appare come un mero incidente
collaterale.
Per
tutta la vita questa sua visione fu nutrita e ossessionata dai
melodrammi di una cerchia bohémien molto provinciale, dove
a nessuno fregava niente di ciò che stava avvenendo altrove.
Eppure...
eppure il mondo crudele che Bacon evocava e tentava di esorcizzare
si è rivelato profetico. Può succedere che, nel
giro di 50 anni, il dramma personale di un artista rifletta la
crisi di un'intera civiltà. In che modo? Misteriosamente.
Il
mondo non è sempre stato crudele? Forse la crudeltà
odierna è più persistente, pervasiva e continua.
Non risparmia né il pianeta né chi lo abita. Astratta
in quanto deriva esclusivamente dalla logica della ricerca del
profitto (fredda come il congelatore), la crudeltà contemporanea
minaccia di rendere obsoleto ogni altro insieme di certezze e,
con esse, la consuetudine di affrontare la crudeltà della
vita con dignità e qualche lampo di speranza.
Torniamo
a Bacon e a ciò che il suo mondo rivela. Egli usava ossessivamente
il linguaggio pittorico e i riferimenti tematici di pittori del
passato - Velasquez, Michelangelo, Ingres, Van Gogh.
Questa
´continuitઠrende ancora più devastante
la sua visione.
L'idealizzazione
rinascimentale del corpo umano nudo, la promessa di redenzione
della Chiesa, la nozione classica di eroismo, o l'ardente fede
ottocentesca di Van Gogh nella democrazia: la sua visione rivela
che sono in rovina, impotenti davanti alla crudeltà. Bacon
raccoglie i brandelli e li usa come tamponi. Non me ne ero mai
reso conto. Ecco la rivelazione.
Una
rivelazione che conferma un'intuizione: oggi servirsi del vocabolario
tradizionale, utilizzato dai potenti e dai media, non fa che aumentare
l'oscurità e la desolazione in cui siamo immersi. Ci sono
una serie di parole e di frasi fatte, rubate al passato, la cui
diffusione va adesso categoricamente rifiutata. Termini come libertà,
terrorismo, sicurezza, democratico, fanatico, antisemita, ecc.
sono stati ridotti a stracci per camuffare la nuova crudeltà
imperante.
Il
che non significa necessariamente silenzio. Significa scegliere
le voci a cui ci si vuole unire. L'attuale epoca storica è
l'epoca del Muro. Quando cadde quello di Berlino, furono srotolati
i disegni preparati per costruire muri in ogni luogo. Muri reali,
burocratici, di sorveglianza, di sicurezza, razzisti, zone cuscinetto.
Dovunque i muri separano chi è disperatamente povero da
chi spera contro ogni evidenza di continuare ad essere relativamente
ricco. I muri attraversano ogni sfera, dal lavoro agricolo alla
salute. Esistono anche nelle metropoli più ricche del mondo.
Il Muro è la prima linea di ciò che, molto tempo
fa, si chiamava guerra di classe.
Da
un lato: ogni armamento concepibile, il sogno di guerre senza
un solo sacco di plastica, i media, abbondanza, igiene, numerosi
accessi al glamour. Dall'altro: pietre, viveri scarsi, faide,
malattie dilaganti, l'accettazione della morte e la continua preoccupazione
di sopravvivere un'altra notte - o forse un'altra settimana -
insieme.
Oggi
nel mondo la scelta di senso è dunque tra le due facce
del muro. Il muro è anche dentro ciascuno di noi. Dentro
di noi, quale che sia la nostra condizione, possiamo scegliere
con quale lato del muro siamo in sintonia. Non si tratta di un
muro tra bene e male. Bene e male esistono da entrambe le parti.
La scelta è tra rispetto di sé e caos di sé.
Dalla
parte dei potenti c'è un conformismo della paura - loro
il muro non lo dimenticano mai - e un muovere le labbra come per
dire parole che non significano più nulla. Bacon ha dipinto
esattamente questo mutismo.
Dall'altra
ci sono molteplici e disparati linguaggi, talora in via di estinzione,
linguaggi grazie al cui vocabolario si può dare un senso
alla vita anche se, soprattutto se, quel senso è tragico.
Quando
le mie parole erano grano/ Io ero terra./ Quando le mie
parole erano collera/ Io ero uragano./Quando le mie parole
erano pietra /Io ero fiume./Quando le mie parole si sono trasformate
in miele/di mosche si sono coperte le mie labbra.
(Mahmud
Darwish, Words, da SAND and Other Poems, 1986).
Bacon
dipinse impavidamente il mutismo, e in questo non era forse più
vicino a chi sta dall'altra parte, a coloro per i quali i muri
non sono che uno dei tanti ostacoli da superare, anche se ciò
comporta rischiare la vita per quelli che verranno? Non lo escluderei...
Quincy,
30 aprile 2004
*Scrittore
e critico d'artetraduzione di Maria Nadotti
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