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Três Momentos com Gilberto Mendes

Por Beatriz Roman

I

 

Em 1980, quando eu residia em Colônia, na Alemanha, e estudava seriamente a música da avant-garde européia com Aloys Kontarsky, a WDR (West Deutsche Rundfunck) apresentou um festival de música contemporânea brasileira (Muzik der Zeit III Köln — Begegnung mit Brasilien). Eu ainda me lembro com emoção a performance que a orquestra fez da música do Gilberto Mendes e foi com um prazer imenso que ouvi a platéia entusiasticamente gritar Zantos! Zantos! Zantos! como parte da torcida na peça Santos Football Music. Que bálsamo para uma saudosa brasileira ouvir (mesmo que com uma pronúncia meio estranha) o nome da sua cidade de nascimento repetido com tanto entusiasmo!

Sempre curti o humor e irreverência do Gilberto. Sua peça Beba Coca Cola para SATB e ação teatral, sobre poema de Décio Pignatari, ficou famosa rapidamente como anti-jingle que era. Ele sempre foi capaz de rir de tudo, e até dele mesmo, utilizando referências bem-humoradas às suas mazelas com a saúde, como o fato de incluir a bombinha antiasmática na peça Asthmatour, e o nome de um remédio como título em sua série de peças Blirium.

O Gilberto de então, que eu admirava, era o signatário do Manifesto Música Nova, representante do desafio às tradições, compositor que tendo frequentado o milieu "Neue Musik" europeu, passou a exercer a função de defensor e promotor da música de vanguarda em território nacional. Além de suas atividades como compositor, professor universitário, conferencista e crítico, ele descobriu tempo e energia para criar o Festival Música Nova, que venceu todos os obstáculos à sua sobrevivência, e que neste ano vai ter sua 37ª edição.

 

II

 

Retornando em 1981 da minha segunda longa viagem de estudos à Europa, eu estava firmemente ancorada no estruturalismo europeu e na linha de Darmstadt. Foi quando comecei a participar regularmente do Festival Música Nova, tanto como solista como camerista. O trabalho de Gilberto Mendes, criando e promovendo um espaço para a divulgação da música contemporânea, foi para mim um grande incentivo para continuar com meus concertos. Nessa mesma época, criei, juntamente com uma equipe de músicos idealistas, o grupo Nexus - Música Contemporânea São Paulo. O exemplo do Gilberto foi fundamental como inspiração para desenvolver a proposta do grupo: apresentar obras dos clássicos da música do século XX juntamente com obras das gerações mais jovens.

Nos Cursos Latino-americanos de Música Contemporânea realizados em São João del Rey em 1978, assim como em reuniões nas casas de amigos em comum, já tivera a oportunidade de conhecer mais de perto o Gilberto e sua esposa Eliane. Foi porém por volta desta época que eu passei a visitar o Gilberto mais frequentemente, interessada que estava em conhecer melhor a sua obra. Antes desses encontros, o conhecimento que eu tinha de sua música para piano se baseava sobretudo nas suas peças atonais, que eu havia estudado, e as quais davam liberdades ao intérprete com suas estruturas aleatórias: Música n.1 e Blirium C9. As citações tonais incluídas na "bula" de Blirium C9 deveriam ter me prevenido mas mesmo assim fiquei surpresa quando ele me introduziu à sua música de juventude. O Gilberto Mendes sempre se considerou um autodidata e nessas obras da primeira fase pude ouvir ritmos bem brasileiros e nacionalistas, assim como deliciosas melodias tonais! No dicionário Contemporary Music, de John Vinton, o verbete "Gilberto Mendes" vem muito apropriadamente colocado logo após o verbete "melody". Acredito que mesmo em suas obras mais abstratas pode-se observar um cuidado com a linha melódica e um savoir faire tonal que deve ter se desenvolvido espontaneamente nesta fase.

Em uma de minhas idas a Santos, onde o Gilberto morava e mora, ele graciosamente me emprestou seu material, e ao chegar de volta a São Paulo recebo um telefonema dele para saber se eu tinha chegado bem. Ao notar a minha surpresa por sua súbita preocupação, ele respondeu, brincalhão — "Não é por você não - é que você está com os únicos manuscritos que eu tenho dessas peças!

 

III

 

O início da década de 80 produziu muitas mudanças em minha vida pessoal e profissional e me lembro que foi o próprio Gilberto, em sua costumeira generosidade, quem me incentivou a viajar para os Estados Unidos. Em 1985, quando eu estava me preparando para minha ida a Nova York, pedi ao Gilberto que compusesse uma obra para eu levar em minha "bagagem cultural". Dentro deste contexto surgiram os Três Contos de Cortázar:

I Diálogo de Ruptura; II Ventos Alísios; III Apocalipse de Solentiname.

Foi durante essa fase que eu descobri que ele não somente admitia o uso de elementos tonais como também era capaz de fazer um amálgama do material de uma maneira orgânica e interessante, convertendo-o em seu estilo e propriedade. Em 1984, eu tinha feito a estréia brasileira de seu tango Los Tres Padres e estava familiarizada com a sua produção pianística do início da década, como Vento Noroeste e Concerto para Piano e Orquestra. Mesmo assim, outra surpresa me esperava: o Gilberto compôs as duas primeiras peças com tintas minimalistas e com o mesmo material compôs a terceira peça que soava bem mais ao estilo de minha preferência estética estruturalista da época. Em conversa telefônica recente eu trouxe à tona este fato e contei que até então eu me recusara a interpretar obras minimalistas e ele me explicou que seu interesse pela repetição precede o minimalismo e está mais relacionado com a repetição na música concreta como em Pierre Schaeffer. Eu também acrescentei que o seu minimalismo era mais interessante pois apresentava quebras, interjeições, e descontinuidade.

Quando o Gilberto compôs essas peças para mim, ele estava lendo um bocado o Cortázar, e mais do que uma tradução programática dos contos, o que ele fez foi incorporar à música os climas e moods daquelas obras literárias. Eu tive a oportunidade de gravar esta obra no Brooklyn College (CUNY) em 1986 e a peça aqui representada -- Diálogo de Ruptura -- apresenta nas palavras de seu compositor "duas estruturas musicais minimalisticamente repetidas, como perguntas e respostas obsessivas". Se relacionarmos estas duas estruturas ao diálogo ou "sessão interrogatório" que precede uma ruptura ou a realização de uma necessidade de mudança, a súbita quebra do minimalismo na parte B da peça com um clima harmônico bem latino-americano se torna refrescante e o reaparecimento do mesmo material ao final da peça em roupagem rítmica nacionalista parece indicar novos caminhos.

Eu fiz a première dessas peças em Nova York em 1986 e além de tocá-las muitas vezes em vários concertos por todo o mundo, tive a oportunidade de reapresentá-las, dez anos depois, por ocasião do Festival Sonidos de Las Americas: Brasil promovido pela American Composers Orchestra no Carnegie Hall.

 

Referências:

Gilberto Mendes:

www.avk.org/ncm/composers/mendes.html

Júlio Cortázar:

http://www.ucm.es/info/especulo/numero2/cortazar.htm

 

 

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GILBERTO MENDES — BIO EM PORTUGUÊS

 

GILBERTO MENDES nasceu em Santos (1922), Brasil, onde iniciou seus estudos musicais aos 18 anos, no Conservatório Musical de Santos, piano com Antonieta Rudge, harmonia com Savino de Benedictis. Praticamente autodidata em composição esteve, no entanto, em contato com os compositores brasileiros Claudio Santoro e Olivier Toni, e frequentou os Ferienkurse fuer Neue Musik de Darmstadt, Alemanha, em 1962 e 1968. Um dos signatários do Manifesto Música Nova, publicado pela revista de arte de vanguarda Invenção (São Paulo, 1963), porta-voz da poesia concreta paulista. Como consequência dessa tomada de posição tornou-se um dos pioneiros no Brasil no campo da música experimental, com obras aleatórias, concretas, microtonais, utilizando novos materiais sonoros (fonemas, ruídos vocais, de eletrodomésticos, etc.), novos grafismos, mixed media, e incorporando a ação musical, no que ela tem de teatral, na própria composição.

Também professor universitário, conferencista, colaborador das principais revistas e jornais brasileiros, Gilberto Mendes é o fundador (em 1962) e principal programador do Festival Música Nova de Santos, o mais antigo, em seu gênero, de toda a América. Como professor convidado deu aulas de composição em The University of Wisconsin-Milwaukee, EUA, na qualidade de University Artist, durante todo o ano acadêmco 78/79; e um curso sobre a problemática da música contemporânea latino-americana em The University of Texas at Austin, EUA, na qualidade honrosa de Tinker Visiting Professor, durante o spring semester de l983. Deu aulas, ainda na Universidade de Brasília e na PUC em São Paulo (um curso especial de música para pós-graduandos em teoria literária). Professor de composição no Departamento de Música da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo.

Verbetes com o nome de Gilberto Mendes constam de The New Grove Dictionary of Music and Musicians (Inglaterra), Musiklexikon Rieman (Alemanha), Sohmans Musiklexikon (Suécia), Dictionary of Contemporary Music (John Vinton Editor, New York), Répertoire International des Musiques Electroacoustiques (ORTF, França), Komponisten der Gegenwart (Alemanha), Latin American Classical Composers (USA/Inglaterra), Harvard Dictionary of Contemporary Music (USA), International Who is Who in Music (International Biographical Centre, Cambridge, Inglaterra), Grande Enciclopédia Delta-Larousse (Brasil), Enciclopédia da Música Brasileira (Art Editora, Folha e Itaú Cultural) e outros dicionários.

Principais livros que falam da obra de Gilberto Mendes: Music in Latin America: an Introduction (Gerard Behague, Prentice Hall, USA), The Music of Brazil (David Appleby, Texas Press University, USA), Introducción a la Musica de Nuestro Tiempo (Juan Carlos Paz, Editorial Sudamericana, Buenos Aires), History of Music (Hugh Miller, Barnes & Noble College Outline Series, USA), De Kleine Pomo (Boudewin Buckinx, Alamire) Muziekuitgeverij (Peer, Belgica), História da Música no Brasil (Vasco Mariz, Editora Nova Fronteira), Música Contemporânea Brasileira (José Maria Neves, Editora Ricordi), Letras Artes Mídia (Décio Pignatari, Editora Globo), Os Cantos da Voz (Heloísa de Araújo Duarte Valente, Annablume Editora), O ANTROPOFAGISMO NA OBRA PIANÍSTICA DE GILBERTO MENDES (Antonio Eduardo Santos, Annablume Editora), etc.

A obra de Gilberto Mendes tem sido objeto de teses de mestrado e doutorado, inclusive nos Estados Unidos, e já foi tocada nos cinco continentes, principalmente na Europa e Estados Unidos. Destacam-se, para orquestra : Santos Football Music, Concerto para Piano e Orquestra, Partitura, O Último Tango em Vila Parisi; para grupos instrumentais variados: Qualquer Música, Saudades do Parque Balneário Hotel, Rotationis, Longhorn Trio, Ulysses em Copacabana, Surfando com James Joye e Dorothy Lamour, Slow Dance of Love, Rimsky; para coro : Beba Coca-Cola, Asthmatour, Nascemorre, Revisitação, Vai e Vem, O Sol de Maiakovsky, Salada de Frutas, Tvgrama, São Paulo Comoção de Minha Vida, O Anjo Esquerdo da História, Revisitação; teatro musical: Atualidades - Kreutzer 70, O Objeto Musical, Son et Lumière, Pausa e Menopausa, Cidade, Poema de Ronaldo Azeredo; e inúmeras peças para piano e canções.

Gilberto Mendes é doutor pela Universidade de São Paulo e autor do livro Uma Odisséia Musical, publicado pela EDUSP/Giordano, São Paulo.

 

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GILBERTO MENDES — BIO IN ENGLISH

GILBERTO MENDES was born in Santos, Brazil (October 1922,) began his musical studies at the age of 18 (Conservatório Musical de Santos, harmony with Savino de Benedictis, piano with Antonieta Rudge). Despite being self-taught in composition, he was in touch with Brazilian composers Claudio Santoro and Olivier Toni, and attended the Darmstadt summer courses (Germany) in 1962 and 1968. He was one of the musicians who signed the Manifesto Música Nova, on behalf of a new Brazilian music, "according to the modern theories of cybernetics, information, semantics, semiotics, etc.," published inInven¨‹o (S‹o Paulo, 1963), a magazine of avant-garde art.

Gilberto Mendes was one of the pioneers, in Brazil, in the field of aleatory and microtonal music, concrete music, the use of new musical notation, visual, theatrical and mixed media. He founded in 1962 the Festival Música Nova de Santos, the oldest festival of contemporary music held in all Latin America, of which he is the program and artistic director. He was a Guest Professor at The University of Wisconsin-Milwaukee, USA, as University Artist, during a complete academic year (1978/79), teaching composition; and Tinker Visiting Professor in The University of Texas at Austin, USA, teaching about Latin American contemporary music, during the spring semester of 1983. He is Professor of Composition at the Universidade de São Paulo, Brazil, and is very active as lecturer and writer for many journals and magazines.

Entries with his name can be found in The New Grove Dictionary of Music and Musicians; Musiklexikon Rieman (Germany); Sohmans Musiklexikon (Sweden); Dictionary of Contemporary Music (John Vinton Editor, New York); Répertoire International des Musiques Electroacoustiques (ORTF, France); Komponisten der Gegenwart (Germany), Latin American Classical Composers (USA-England), and many other dictionaries.

Basic bibliography: Music in Latin America: an Introduction (Gerard Behague, Prentice Hall, USA), The Music of Brazil (David Appleby, Texas Press University, USA), Introducción a la Musica de Nuestro Tiempo (Juan Carlos Paz, Editorial Sudamericana, Buenos Aires), History of Music (Hugh Miller, Barnes & Noble College Outline Series, USA), De Kleine Pomo (Boudewin Buckinx, Alamire) Muziekuitgeverij (Peer, Belgica), História da Música no Brasil (Vasco Mariz, Editora Nova Fronteira), Música Contemporânea Brasileira (José Maria Neves, Editora Ricordi), Letras Artes Mídia (Décio Pignatari, Editora Globo), Os Cantos da Voz (Heloísa de Araújo Duarte Valente, Annablume Editora), O ANTROPOFAGISMO NA OBRA PIANÍSTICA DE GILBERTO MENDES (Antonio Eduardo Santos, Annablume Editora), etc.

Principal compositions - - for orchestra: Santos Football Music, Partitura, The Last Tango in Vila Parisi, Concerto for Piano and Orchestra; for instrumental groups: Qualquer Música, Rotationis, Saudades do Parque Balneário Hotel, Longhorn Trio, Ulysses in Copacabana, Surfing with James Joyce and Dorothy Lamour, Slow Dance of Love, Rimsky; for choir: Drink Coca-Cola, Asthmatour, Nascemorre, O Anjo Esquerdo da História, Revisitação; musical theatre: Atualidades - Kreutzer 70, O Objeto Musical, Son et Lumière, Pausa e Menopausa, Cidade, Poema de Ronaldo Azeredo; and many piano pieces and songs.

Gilberto Mendes holds a Ph.D. by The University of São Paulo, Brazil, and is the author of the book Uma Odisséia Musical, published by EDUSP/Giordano, São Paulo, Brazil.

 

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BEATRIZ ROMAN — BIO EM PORTUGUÊS

 

A pianista Beatriz Roman se apresentou em concertos na Europa, Estados Unidos e Brasil, fazendo premières de obras de vários compositores, entre os quais John Cage, Henri Pousseur, Gilberto Mendes e Lindembergue Cardoso.

Apresentou-se no festival "Sonidos de las Americas: Brasil" em Nova York organizado pela American Composers Orchestra. Colaborou com Sorrel Hays para projetos na WDR (Rádio Alemã em Colônia), e também com Tania León para a 4. Münchener Biennale.

Além de desenvolver intensa atividade como concertista em recitais solo, com orquestra e com grupos de música de câmara, Beatriz Roman também tem ministrado Master Classes em vários festivais internacionais (Cursos Latino-americanos de Música Contemporânea, Festival de Inverno de Diamantina, Curso Internacional de Férias Pro-Arte) e universidades (Universidade de São Paulo, Universidade Federal de Minas Gerais, Université Catholique de Louvain, Bélgica, e University of California in Santa Barbara).

Após completar sua formação musical na Universidade de São Paulo, onde foi aluna de piano de Caio Pagano, estudou na Escola Superior de Música de Colônia com Aloys Kontarsky, frequentando também os cursos de Música Contemporânea de Vinko Globokar, Peter Eötvös e os seminários de Pierre Boulez em Paris. Nos EUA, Beatriz fez Mestrado em Artes no Brooklyn College (piano - Grete Sultan) e é atualmente candidata ao Doutorado no Graduate Center of the City University of New York.

 

 

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BEATRIZ ROMAN — BIO IN ENGLISH

Brazilian pianist Beatriz Roman has performed extensively in Europe and the Americas, premiering works by composers including Cage, Pousseur, and Gilberto Mendes.

She was a featured soloist in the 1996 American Composers Orchestra Festival "Sonidos de las Americas: Brasil" in New York City. She has collaborated with Sorrel Hays for West German Broadcasting, Cologne, and with Tania León for the Fourth Munich Biennale.

Besides performing as a soloist in recitals, with orchestras and with chamber groups, Beatriz Roman has also given Master Classes at many international festivals (Cursos Latino-Americanos de Música Contemporânea, Festival de Inverno de Diamantina, Curso Internacional de Férias Pró-Arte) and Universities (Universidade de São Paulo, Universidade Federal de Minas Gerais, Université Catholique de Louvain - Belgium, and University of California in Santa Barbara). Her playing can be heard on Tacape, Polygram and Newport.

Ms. Roman received her music degrees from the University of São Paulo and Brooklyn College, and is a doctoral candidate at the Graduate Center CUNY. She studied piano with Caio Pagano and Grete Sultan, and as a DAAD scholar with Aloys Kontarsky in Germany. She also attended contemporary music courses by Vinko Gobokar, Peter Eötvös and in Paris, seminars by Pierre Boulez.

 

 

 

 

samba<info@imediata.com>