Fome de respostas

 

 


Peter Rosset
Zmag

7 de junho de 2002

Tradução Imediata

Porque mais de 800 milhões de pessoas ainda passam fome num mundo caracterizado por uma incrível abundância? Um total de 180 nações se encontrarão em Roma de segunda a quarta-feira da semana que vem para tratar exatamente desse problema, numa reunião chamada World Food Summit: Fives Years Later (Conferência Mundial sobre a Alimentação: Cinco Anos Depois). Na Conferência de 1996, ocorrida igualmente em Roma, 185 nações assinaram um compromisso de reduzir pela metade o número de pessoas atingidas pela fome até o ano de 2015. Na ocasião, o presidente cubano Fidel Castro causou sensação — ecoando os sentimentos de muitos — quando chamou aquele objetivo de "vergonhoso", por abandonar qualquer noção de eliminação da fome.

Tendências subsequentes tem sido ainda mais vergonhosas.

A conferência da semana que vem foi convocada pelas Nações Unidas para examinar porque a fome persiste, apesar do Plano de Ação de 1996. Os resultados tem sido pelo menos 60 porcento inferiores aos objetivos estipulados para os cinco primeiros anos, e hoje as condições estão piorando de muito no mundo. Sem uma drástica reorientação das políticas, será impossível atingir o objetivo em 2015, e a fome poderá inclusive aumentar. Enquanto os documentos oficiais preparados para a reunião denunciam a "falta de determinação" e invocam que "mais capital" seja usado para reduzir a fome, o fato é que mudanças mais fundamentais são necessárias.

Pesquisas efetuadas pelo Food First/The Institute for Food and Development Policy (Primeiro a Alimentação/Instituto para a Alimentação e a Política de Desenvolvimento) revelam que desde 1996, os governos têm determinado um conjunto de políticas que têm conspirado no sentido de prejudicar os cultivadores, os pequenos agricultores, as unidades agrícolas familiares e as cooperativas agrícolas tanto em nações do Norte quanto do Sul. Essas políticas incluíram apressadas liberalizações do comércio, levado ao abismo unidades agrícolas familiares no Terceiro Mundo em prol de unidades agrícolas corporativas subsidiadas no Norte (ver a recente US Farm Bill), forçando os países do Terceiro Mundo a eliminar o apoio e os subsídios aos produtores agrícolas, a privatização do crédito, a promoção excessiva das exportações em detrimento das safras alimentares básicas, o patenteamento de recursos agrícolas geneticamente modificados por corporações que cobram dos produtores para o seu uso, e um preconceito na pesquisa agrícola a favor de custosas e questionáveis tecnologias, tais como a engenharia genética, ao mesmo tempo que são praticamente ignoradas as alternativas a favor dos pobres, tais como as plantações orgânicas e a agroecologia.

Cada vez mais, os cultivadores pobres se deparam com um crédito que é inadequado ou custoso demais para cobrir seus custos crescentes de produção, os compradores de suas safras são cada mais escassos e monopolistas e os preços são baixos demais para cobrir os custos do crédito e da produção. O resultado líquido tem sido uma significativa e contínua deterioração da possibilidade de acesso à terra pelos agricultores mais pobres, à medida que são forçados a venderem as terras que possuem, não têm meios de arrendar outras terras, ou perdem terras por não poderem pagar os empréstimos.

A pior fome no mundo se encontra em áreas rurais, onde os sem-terra são os mais pobres entre os pobres, ainda assim os governos têm evitado implementar políticas previamente existentes de reforma agrária e de redistribuição de terras, assim como têm resistido aos esforços —às vezes pela força— de organizações populares e movimentos dos sem-terra para que sejam implementadas essas políticas. Esses mesmos governos têm mantido essa posição enquanto as terras têm se tornado cada vez mais ativos comerciais fora do alcance dos pobres, e permanecido passivos diante dos interesses comerciais — tanto agrícolas (ou seja, as plantações) como não-agrícolas (ou seja, a exploração de petróleo), que invadem abusivamente as terras públicas e de uso comum, e os territórios dos povos indígenas.

Além disso, os governos não têm feito nada enquanto a cadeia de bens agrícolas se torna cada vez mais concentrada nas mãos de poucas corporações transnacionais que, em virtude de sua situação de quase-monopólio, estão aumentando os custos e preços progressivamente, em detrimento dos cultivadores, colocando todos, especialmente os mais pobres, num aperto insustentável e encorajando, assim, o maciço abandono da agricultura e a migração para as favelas urbanas.

Enquanto os governos parecem cegos aos modos como suas políticas provocam a fome e o empobrecimento de centenas de milhões de pessoas, outros podem ver essa dura realidade com clareza. Centenas de movimentos agrícolas e organizações não-governamentais estão vindo a Roma, provenientes do mundo todo, para realizar a sua própria conferência — o Fórum Mundial da Soberania Alimentar — paralelamente à Conferência Oficial.

Eles exigem que os governos retirem a agricultura da Organização Mundial do Comércio, a qual força os países a abrirem suas fronteiras para as importações baratas e manipula os preços dos alimentos para que sejam vendidos a preços inferiores, o que provoca a falência dos produtores agrícolas, confiscando-lhes as terras e levando-os à fome. Eles demandam uma reforma agrária verdadeira e pedem que terras de boa qualidade sejam postas nas mãos de quem saiba semeá-las, e não nas mãos de quem tem o dinheiro para adquiri-las. Eles exigem que o direito fundamental à alimentação — reconhecido na Declaração Universal de Direitos Humanos — seja tornado uma realidade, mediante a aplicação do que eles chamam de "soberania alimentar", que se refere aos direitos dos habitantes do campo e das famílias de agricultores de cultivarem alimentos para as suas próprias nações, assim como os direitos dos consumidores pobres de terem o suficiente para comer. Essas demandas, ao contrário dos fracos pedidos dos representantes oficiais por "determinação" e "dinheiro", realmente atingem a raiz do problema persistente da fome, e deveriam ser endossadas por todas as pessoas que se preocupam com a questão.

Peter Rosset, PhD, é co-diretor de Food First/The Institute for Food and Development Policy (Primeiro a Alimentação/Instituto para a Alimentação e a Política de Desenvolvimento), e co-autor do livro World Hunger: Twelve Myths (A Fome Mundial: Doze Mitos).

(Republicado em www.zmag.org com permissão de Foreign Policy In Focus)

 

Hungry for answers

by Peter Rosset

Foreign Policy In Focus

June 07, 2002

 Why do more than 800 million people still go hungry in a world marked by incredible affluence? A total of 180 nations are to gather in Rome from Monday to Wednesday next week to address just that question at a meeting called the World Food Summit: Fives Years Later. At the 1996 World Food Summit, also held in Rome, 185 nations signed a commitment to cut the number of hungry people in half by 2015. There, Cuban President Fidel Castro made waves - echoing the feelings of many - when he called that goal "shameful" for its abandonment of any notion of eliminating hunger. Subsequent trends have been more shameful still.

Next week's summit was called by the United Nations to examine why hunger persists despite the 1996 Plan of Action. Progress has lagged by at least 60 percent behind the goals for the first five years, and today conditions are worsening in much of the world. Without a drastic reorientation of policies, it will be impossible to meet the 2015 goal, and hunger may actually increase. While official documents prepared for the meeting decry a "lack of will" and call for "more resources" to be directed at reducing hunger, the fact is that more fundamental changes are needed.

Research carried out by Food First/The Institute for Food and Development Policy reveals that since 1996, governments have presided over a set of policies that have conspired to undercut peasant, small and family farmers, and farm cooperatives in nations both North and South. These policies have included runaway trade liberalization, pitting family farmers in the Third World against the subsidized corporate farms in the North (witness the recent US Farm Bill), forcing Third World countries to eliminate price supports and subsidies for food producers, the privatization of credit, the excessive promotion of exports to the detriment of food crops, the patenting of crop genetic resources by corporations who charge farmers for their use, and a bias in agricultural research toward expensive and questionable technologies such as genetic engineering while virtually ignoring pro-poor alternatives such as organic farming and agroecology.

Increasingly, poor farmers find that credit is inadequate or too expensive to cover their rising production costs, buyers of their crops are more scarce and monopolistic than ever, and prices are too low to cover credit and production costs. The net result has been a significant and continued deterioration in poor farmers' access to land, as they are forced to sell land they own, cannot afford land rentals, or lose land by defaulting on loans.

The worst hunger in the world is found in rural areas, where the landless are the poorest of the poor, yet governments have dragged their feet in implementing already existing land-reform and land-redistribution policies, and have resisted efforts - sometimes using force - by people's organizations and landless movements to push the implementation of these policies. These same governments have stood by as land has increasingly been turned into a commercial asset out of reach for the poor, and watched passively as business interests - both agricultural (ie, plantations) and non-agricultural (ie, petroleum exploration) - have encroached on communal and public lands, and on the territories of indigenous peoples.

Furthermore, governments have done nothing while agricultural commodity chains become increasingly concentrated in the hands of a few transnational corporations that, by virtue of their near-monopoly status, are increasingly setting costs and prices unfavorable to farmers, putting all, especially the poorest, in an untenable cost-price squeeze, thus encouraging the massive abandonment of agriculture and migration to urban slums.

While governments seem blind to the ways their policies enforce hunger and impoverishment for hundreds of millions of people, others see this harsh reality with clarity. Hundreds of farmers' movements and non-governmental organizations have come to Rome from around the world to hold their own forum - the World Forum on Food Sovereignty - in parallel with the official summit.

They demand that governments take agriculture out of the World Trade Organization (WTO), which forces countries to open their borders to the cheap, dumped food imports that drive their own farmers out of business, off the land, and into hunger. They call for true land reform, to put good-quality land in the hands of those who would sow it, rather than those who can afford to buy it. They demand that the fundamental right to food - recognized in the Universal Declaration of Human Rights - be made a reality by the enforcement of what they call "food sovereignty", which refers to the rights of peasants and family farmers to grow food for their own nations, and rights of poor consumers to enough to eat. These demands, unlike the weak official calls for "will" and "money", do get at the root cause of persistent hunger, and should be endorsed by all caring people.

Peter Rosset, PhD, is co-director of Food First/The Institute for Food and Development Policy , and co-author of the book World Hunger: Twelve Myths.

(Republished with permission from Foreign Policy In Focus)

 

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