Armas nucleares e neblina na mídia

 

 


Norman Solomon
La Jornada

6 de junho de 2002

Tradução Imediata

Os canais da mídia dos EUA tem se erguido de um estado de completa negação, desde o começo de junho, estimulados por tardias advertências dos escalões oficias superiores do governo EUA de que uma guerra nuclear entre a Índia e o Paquistão mataria milhões de pessoas. O tom da cobertura das notícias tem mudado no sentido do alarme. Enquanto isso, a história atômica pemanece amplamente desinfetada.

"Até mesmo um qualquer movimento militar de um desses países vizinhos dotados de armas nucleares", conforme reportou em grandes caracteres a primeira página do jornal USA Today, "poderia detonar uma incontrolável reação em cadeia levando ao holocausto que o mundo todo teme desde que foi desenvolvida a bomba atômica". A edição da revista Newsweek de 10 de junho inclui uma coluna de George Will com uma referência contemporânea de dar calafrios com relação à Crise dos Mísseis Cubanos: "O mundo pode estar mais próximo de uma guerra nuclear do que estava em qualquer momento durante a Guerra Fria — mesmo em outubro de 1962".

Apesar disso, quando se trata de armas nucleares, a maioria da imprensa dos EUA demonstra um escassa variedade emocional de zelo profissional para examinar a progressão dos perigos atômicos. Desde o começo da era nuclear, cada homem que passou pelo Salão Oval cuidadosamente atendeu aos esforços de relações públicas, e os meios de comunicação principais raramente questionaram os proclamados objetivos humanitários.

No anúncio que fez no dia 6 de agosto de 1945, o presidente Harry Truman fez o melhor que pode para engajar-se na fraude. "O mundo observará que a primeira bomba atômica foi lançada em Hiroshima, uma base militar", disse ele. "Isso porque queríamos evitar que este primeiro ataque, na medida do possível, matasse a população civil."

Mas a população civil morava na cidade de Hiroshima — assim como em Nagasaki, atingida pela bomba-A três dias depois. Milhares de pessoas morreram em consequência dos bombardeios atômicos. Os estrategistas militares americanos estavam ansiosos "para usar a bomba, primeiro em lugares onde seus efeitos seriam não só politicamente eficazes, mas também tecnicamente mensuráveis", lembrou o físico David H. Frisch, do Projeto Manhattan.

Para a mídia dos EUA, os bombardeios atômicos das duas cidades japonesas são uma questão praticamente sacrossanta. Desse modo, em 1994, quando o Smithsonian Institution fazia planos para realizar uma mostra marcando o 50º aniversário do acontecimento, acabou fazendo estourar uma agitação nacional.

A maioria do eruditos esteve inevitavelmente engajada. "No contexto daquela época… as bombas fizeram muito sentido", afirmou Cokie Roberts numa das principais redes de televisão — e, acrescentou ela, levantando questões críticas meio-século depois "não faz sentido nenhum". No mesmo programa da ABC, George Will balbuciou: "É terrível quando uma instituição como o Smithsonian lança dúvidas sobre a grande liderança com os quais fomos abençoados durante a Segunda Guerra Mudial". O colunista Charles Krauthammer, denunciando "as forças do politicamente correto", escreveu que o display concreto nas pranchetas de desenho do museu "promete ser um amálgama de torcedura de mão revisionista e sentimento de culpa".

Esse tipo de salva intensa da mídia fez o Smithsonian destruir, ao invés de proceder com a idéia dessa franca exibição histórica. Mesmo cinco décadas depois, uma visão clara dos bombardeios atômicos foi considerada inaceitável.

Neste verão, enquanto os líderes do Paquistão e da Índia ponderam a opção das armas nucleares, eles ecoam a erudição… Afinal de contas, "no contexto da época", eles poderiam concluir, um bombardeio atômico faz "muito sentido", sem precisar questionarmos "a grande liderança" ou nos engajarmos em "torceduras de mão e sentimentos de culpa."

De volta a 1983, uma perceptiva declaração feita pelos Bispos Católicos dos EUA invocava um "clima de opinião que faria possível para o nosso país expressar um pesar profundo quanto aos bombardeios atômicos de 1945. Sem expressar esse pesar, não é possível achar-se uma maneira de repudiar o uso futuro de armas nucleares."

Mos os oficias do governo dos EUA e os principais jornalistas continuam a ser altamente seletivos em seus repúdios. Em Medialand, uma ogiva nuclear vermelha-azul-e-branca não é, na realidade, uma "arma de destruição de massa".

Há três meses, a nova Revisão da Postura Nuclear do governo dos EUA causou uma resposta quase incrédula de Pervez Hoodbhoy, um defensor da paz que é também professor de física na Universidade de Islamabad: "Porque cada país do mundo deveria deixar de desenvolver armas nucleares, justo agora que a América pode atacar com armas nucleares em qualquer lugar e a qualquer momento? O governo Bush anunciou que considera as armas nucleares como instrumentos de combate, não apenas como armas a serem usadas em últimas instâncias. O renascimento do militarismo americano está destruindo cada medida de controle de armas no mundo todo. Aqueles que entre nós, no Paquistão e na Índia, têm lutado contra a nuclearização do subcontintente se encontram temporariamente sem fala."

O que vai, tem a tendência de voltar. Os políticos de Washington continuam fortificando sem constrangimentos o arsenal nuclear dos EUA, ao mesmo tempo em que o brandem contra muitos outros países — declarando, de fato, "façam conforme dizemos, não conforme fazemos". Mas mais cedo ou mais tarde, declarações como essas acabam sendo pouco convincentes.

Norman Solomon é co-autor de "Killing Our Own: The Disaster of America's Experience with Atomic Radiation" (Matando-nos a nós mesmos: o desastre da experiência dos EUA com radiação atômica) (Delacorte Press, 1982). O livro encontra-se em sua versão integral em inglês no endereço: www.ratical.org/radiation/KillingOurOwn/

 

Nuclear Weapons And Media Fog

by Norman Solomon

June 06, 2002

 

American media outlets roused themselves from outright denial in early June, spurred by belated warnings from top U.S. officials that a nuclear war between India and Pakistan would kill millions of people. The tone of news coverage shifted toward alarm. Meanwhile, atomic history remained largely sanitized.

"Even one military move by either of these nuclear-armed neighbors," USA Today's front page reported in big type, "could set off an unstoppable chain reaction that could lead to the holocaust the world has feared since the atomic bomb was developed." The June 10 edition of Newsweek includes a George Will column with a chilling present-day reference to the Cuban Missile Crisis: "The world may be closer to a nuclear war than it was at any time during the Cold War -- even October 1962."

Yet when it comes to nuclear weapons, the mainstream American press has scant emotional range or professional zeal to scrutinize the progression of atomic perils. From the start of the nuclear era, each man in the Oval Office has carefully attended to public relations, with major media rarely questioning the proclaimed humanitarian goals.

Making an announcement on Aug. 6, 1945, President Harry Truman did his best to engage in deception. "The world will note that the first atomic bomb was dropped on Hiroshima, a military base," he said. "That was because we wished in this first attack to avoid, insofar as possible, the killing of civilians."

But civilians populated the city of Hiroshima -- as well as Nagasaki, where an A-bomb struck three days later. Hundreds of thousands died as a result of the atomic bombings. American military strategists were eager "to use the bomb first where its effects would be not only politically effective but technically measurable," Manhattan Project physicist David H. Frisch recalled.

For U.S. media, the atomic bombings of the two Japanese cities have been pretty much sacrosanct. So, in 1994, a national uproar broke out when the Smithsonian Institution made plans for an exhibit marking the 50th anniversary.

Much of the punditocracy was fit to be tied. "In the context of the time ... the bombing made a great deal of sense," Cokie Roberts said on network television -- and, she added, raising critical questions a half-century later "makes no sense at all." On the same ABC telecast, George Will sputtered: "It's just ghastly when an institution such as the Smithsonian casts doubt on the great leadership we were blessed with in the Second World War."

Columnist Charles Krauthammer, denouncing "the forces of political correctness," wrote that the factual display on the museum's drawing board "promises to be an embarrassing amalgam of revisionist hand-wringing and guilt."

Such intense media salvos caused the Smithsonian to cave in rather than proceed with a forthright historical exhibition. Even five decades later, a clear look at the atomic bombings was unacceptable.

This summer, as the leaders of Pakistan and India ponder the nuclear-weapons option, they could echo the punditry. After all, "in the context of the time," they might conclude, an atomic bombing makes "a great deal of sense," without need to question their "great leadership" or engage in "hand-wringing and guilt."

Back in 1983, a statement by U.S. Catholic Bishops perceptively called for a "climate of opinion which will make it possible for our country to express profound sorrow over the atomic bombing in 1945. Without that sorrow, there is no possibility of finding a way to repudiate future use of nuclear weapons."

But American officials and leading journalists continue to be highly selective with their repudiations. In medialand, a red-white-and-blue nuclear warhead is not really a "weapon of mass destruction."

Three months ago, the U.S. government's new Nuclear Posture Review caused a nearly incredulous response from Pervez Hoodbhoy, a peace advocate who is a professor of physics at Quaid-e-Azam University in Islamabad: "Why should every country of the world not develop nuclear weapons now that America may nuke anyone at any time? The Bush administration has announced that it views nuclear weapons as instruments for fighting wars, not merely as the weapons of last resort. Resurgent American militarism is destroying every arms control measure everywhere. Those of us in Pakistan and India who have long fought against nuclearization of the subcontinent have been temporarily rendered speechless."

What goes around has a tendency to come around. Washington's policymakers keep fortifying the U.S. nuclear arsenal with abandon while brandishing it against many other countries -- declaring, in effect, "do as we say, not as we do." But sooner or later, such declarations are not very convincing.

Norman Solomon is co-author of "Killing Our Own: The Disaster of America's Experience with Atomic Radiation" (Delacorte Press, 1982). The entire book is posted online at: www.ratical.org/radiation/KillingOurOwn/

 

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