Mais forte do que nunca; longe de fracassar, o Movimento para a Justiça Global está crescendo em números e maturidade

 

 


George Monbiot
The Guardian

28 de janeiro de 2003

Tradução Imediata

 

O Sr. Bush e o Sr. Blair poderiam ter uma luta mais dura daquela que imaginaram. Não da parte de Saddam Hussein, talvez, - embora ainda não seja tão óbvio que eles possam capturar e manter as cidades iraquianas sem verificarem grandes perdas — mas da parte do movimento contra a guerra, que está começando a parecer com algo nunca visto antes.

Não é somente o fato de que as pessoas começaram a se juntar em grandes números mesmo antes de ter sido dado o primeiro tiro. Não é somente o fato de que elas estão fazendo isso sem o estímulo da conscrição ou qualquer outra ameaça direta ao seu bem estar. Não é somente o fato de que têm havido reuniões ou demonstrações em praticamente cada nação da Terra. É também o fato de que a campanha está sendo coordenada globalmente com uma precisão sem precedentes. E as pessoas em parte responsáveis por isso são membros de um movimento que, mesmo durante as últimas semanas, os canais de comunicação de massa declararam extinto.

No ano passado, 40.000 membros do movimento para a justiça global se encontraram no Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, Brasil. Neste ano, mais de 100.000 pessoas de 150 nações vieram — para um encontro! Raramente o mundo viu assembléias políticas deste tipo, desde os "encontros gigantescos" de Daniel O'Connell, na década de 1840.

Longe de desvanecer, nosso movimento cresceu muito mais do que poderíamos ter imaginado. O 11 de Setembro abafou os protestos por um período, mas desde então eles voltaram com ainda maior veemência, em todo o mundo, exceto nos EUA. A última grande manifestação global foi o comício durante a reunião de cúpula européia, em Barcelona. Cerca de 350.000 ativistas ressuscitaram dos mortos. Eles vieram, apesar da resposta assustadora às marchas de junho de 2001 em Gênova, quando a polícia invadiu os alojamentos dos manifestantes, espancando-os com cassetetes, enquanto estavam deitados em seus sacos de dormir, torturando tantos outros manifestantes e matando um homem com um tiro.

Mas nem a resposta violenta, nem o 11 de setembro, nem a indiferença da mídia puderam sufocar esse levante. Sempre prontos a acreditar em suas próprias estórias, as agências noticiosas da grande mídia têm interpretado a ausência de cobertura (pelas mesmas agências), como uma ausência de atividade. Uma de nossas recentes descobertas é que não precisamos mais delas. Temos os nossos próprios canais de comunicação, nossos websites e panfletos e revistas, e aqueles que desejam nos encontrar, podem fazê-lo sem precisar delas. Elas podem dar-nos como mortos o quanto quiserem, mas nós, a cada vez, ressuscitaremos.

A mídia pode ser perdoada por esperar por nosso desaparecimento. No passado, era difícil manter movimentos globais deste tipo. A internacional socialista, por exemplo, foi interrompida, como sabemos, pelo nacionalismo. Quando as nações a que pertenciam os camaradas foram à guerra, eles esqueceram de sua luta comum e levantaram as armas os uns contra os outros. Mas agora, graças à globalização que alguns membros do movimento contestam, o nacionalismo é uma força muito mais fraca. Cidadãos americanos estão se encontrando e debatendo com iraquianos, ainda que seus países se preparem para a guerra. Não podemos mais ser convocados às cegas. Nossa lealdade é para com os princípios que defendemos e para com aqueles com os quais os compartilhamos, independentemente de onde provenham.

Uma das razões pelas quais o movimento parece destinado a crescer é que ele fornece o único canal importante através do qual podemos nos engajar com relação às questões mais críticas. A mudança climática, a dívida internacional, a pobreza, a hegemonia das nações do G8, o FMI e o Banco Mundial, a exaustão dos recursos naturais, a proliferação nuclear e o conflito de baixo nível são os temas principais nas vidas da maioria das pessoas do mundo, mas temas menores em qualquer discurso político ‘oficial’. Dizem-nos que as besteiras que apodrecem a mente e que agora enchem as páginas dos jornais são uma resposta comercial necessária às demandas dos leitores mais jovens. Pode ser que isso seja verdade, até um certo ponto. Mas há dezenas de milhares de jovens que têm menos interesse na cultura de celebridades do que Geroge Bush tem por Wittgenstein. Eles desenvolveram sua própria escala de valores, e se conferiram novos direitos a si próprios, saindo em busca daquilo que acreditam ser importante. Para a grande maioria dos ativistas — aqueles que vivem no mundo pobre — o movimento oferece o único meio eficaz de alcançar pessoas nas nações mais ricas.

Com muita frequência, disseram-nos que a razão pela qual estamos mortos é porque fomos ultrapassados e englobados pela campanha anti-guerra. Seria mais correto dizer que a campanha contra a guerra tem, em grande parte, crescido a partir do movimento pela justiça global. Esse movimento nunca reconheceu a distinção entre o poder dos governos do mundo rico e as instituições por ele apontadas (o FMI, o Banco Mundial, a Organização Mundial do Comércio) para declarar guerra econômica e o poder dos mesmos governos, trabalhando através de diferentes instituições (o Conselho de Segurança da ONU, a NATO) para enviar os bombardeadores. Longe de competir com nossas preocupações, a guerra iminente tem fortalecido nossa determinação de enfrentar o problema da grotesca má distribuição de poder que permite que poucos governos nacionais imponham um mandato global. Quando os ativistas deixarem Porto Alegre, amanhã, eles levarão para casa, em suas 150 nações, uma nova resolução para tornar a luta contra a guerra no Iraque numa contenda a respeito do futuro do mundo.

Enquanto jovens ativistas estiverem entusiasmados em absorver a experiência de pessoas como Noam Chomsky, Tariq Ali, Lula, Victor Chavez, Michael Albert e Arundhati Roy, todas elas falando em Porto Alegre, nosso movimento é, por enquanto, mais entusiasmado do que sábio, ardente por paixões que ainda devemos controlar. Ainda devemos compreender, apesar da reação da polícia em Gênova, a determinação mecânica de nossos oponentes.

Ainda estamos prontos demais para acreditar que as marchas espetaculares possam mudar o mundo. Enquanto a divisão entre os marxistas, os anarquistas e os liberais do movimento forem bem ensaiadas, nossa divisão real — entre os diversalistas e os universalistas — tem sido pouco explorada até agora. A maioria do movimento acredita que o melhor meio de reconquistar o controle sobre a vida política é através da ação comunitária local. Uma fração menor (à qual eu pertenço) acredita que essa resposta é insuficiente, e que devemos procurar criar instituições globais democraticamente responsáveis. Por enquanto, os debates têm sido emudecidos. Mas quando emergirão, serão ferozes.

Por tudo isso, creio que a maioria entre nós percebeu que algo mudou, que estamos começando a deixar de fazer jogo e encenar festas, que estamos começando a desenvolver uma análise mais madura, uma melhor compreensão das táticas, um entendimento da necessidade de uma política. Em outras palavras, estamos começando, pela primeira vez, a parecer um movimento revolucionário. Estamos também achando, entre alguns dos estados endividados do mundo pobre, uma nova disposição para se engajarem conosco. Fazendo isso, elas aceleram nosso amadurecimento: quanto mais a sério formos levados, tanto mais a sério nos levaremos a nós mesmos.

O fato de sermos percebidos ou não já não é mais relevante. Sabemos que, com ou sem a ajuda da grande mídia comercial, somos uma força agregada que, um dia, talvez, ninguém conseguirá conter.

· www.monbiot.com

© Guardian Newspapers Limited 2003

 

Published on Tuesday, January 28, 2003 by the Guardian/UK

Stronger than Ever

Far From Fizzling Out, The Global Justice Movement is Growing in Numbers and Maturity

 

by George Monbiot

 

Mr Bush and Mr Blair might have a tougher fight than they anticipated. Not from Saddam Hussein perhaps - although it is still not obvious that they can capture and hold Iraq's cities without major losses - but from an anti-war movement that is beginning to look like nothing the world has seen before.

It's not just that people have begun to gather in great numbers even before a shot has been fired. It's not just that they are doing so without the inducement of conscription or any other direct threat to their welfare. It's not just that there have already been meetings or demonstrations in almost every nation on Earth. It's also that the campaign is being coordinated globally with an unprecedented precision. And the people partly responsible for this are the members of a movement which, even within the past few weeks, the mainstream media has pronounced extinct.

Last year, 40,000 members of the global justice movement gathered at the World Social Forum in Porto Alegre, Brazil. This year, more than 100,000, from 150 nations, have come - for a meeting! The world has seldom seen such political assemblies since Daniel O'Connell's "monster meetings" in the 1840s.

Far from dying away, our movement has grown bigger than most of us could have guessed. September 11 muffled the protests for a while, but since then they have returned with greater vehemence, everywhere except the US. The last major global demonstration it convened was the rally at the European summit in Barcelona. Some 350,000 activists rose from the dead. They came despite the terrifying response to the marches in June 2001 in Genoa, where the police burst into protesters' dormitories and beat them with truncheons as they lay in their sleeping bags, tortured others in the cells and shot one man dead.

But neither the violent response, nor September 11, nor the indifference of the media have quelled this rising. Ever ready to believe their own story, the newsrooms have interpreted the absence of coverage (by the newsrooms) as an absence of activity. One of our recent discoveries is that we no longer need them. We have our own channels of communication, our own websites and pamphlets and magazines, and those who wish to find us can do so without their help. They can pronounce us dead as often as they like, and we shall, as many times, be resurrected.

The media can be forgiven for expecting us to disappear. In the past, it was hard to sustain global movements of this kind. The socialist international, for example, was famously interrupted by nationalism. When the nations to which the comrades belonged went to war, they forgot their common struggle and took to arms against each other. But now, thanks to the globalization some members of the movement contest, nationalism is a far weaker force. American citizens are meeting and de bating with Iraqis, even as their countries prepare to go to war. We can no longer be called to heel. Our loyalty is to the principles we defend and to those who share them, irrespective of where they come from.

One of the reasons why the movement appears destined only to grow is that it provides the only major channel through which we can engage with the most critical issues. Climate change, international debt, poverty, the hegemony of the G8 nations, the IMF and the World Bank, the depletion of natural resources, nuclear proliferation and low-level conflict are major themes in the lives of most of the world's people, but minor themes in almost all mainstream political discourse. We are told that the mind-rotting drivel which now fills the pages of the newspapers is a necessary commercial response to the demands of younger readers. This may, to some extent, be true. But here are tens of thousands of young people who have less interest in celebrity culture than George Bush has in Wittgenstein. They have evolved their own scale of values, and re-enfranchised themselves by pursuing what they know to be important. For the great majority of activists - those who live in the poor world - the movement offers the only effective means of reaching people in the richer nations.

We have often been told that the reason we're dead is that we have been overtaken by and subsumed within the anti-war campaign. It would be more accurate to say that the anti-war campaign has, in large part, grown out of the global justice movement. This movement has never recognized a distinction between the power of the rich world's governments and their appointed institutions (the IMF, the World Bank, the World Trade Organization) to wage economic warfare and the power of the same governments, working through different institutions (the UN security council, Nato) to send in the bombers. Far from competing with our concerns, the impending war has reinforced our determination to tackle the grotesque maldistribution of power which permits a few national governments to assert a global mandate. When the activists leave Porto Alegre tomorrow, they will take home to their 150 nations a new resolve to turn the struggle against the war with Iraq into a contest over the future of the world.

While younger activists are eager to absorb the experience of people like Noam Chomsky, Tariq Ali, Lula, Victor Chavez, Michael Albert and Arundhati Roy, all of whom are speaking in Porto Alegre, our movement is, as yet, more eager than wise, fired by passions we have yet to master. We have yet to understand, despite the police response in Genoa, the mechanical determination of our opponents.

We are still rather too prepared to believe that spectacular marches can change the world. While the splits between the movement's marxists, anarchists and liberals are well-rehearsed, our real division - between the diversalists and the universalists - has, so far, scarcely been explored. Most of the movement believes that the best means of regaining control over political life is through local community action. A smaller faction (to which I belong) believes that this response is insufficient, and that we must seek to create democratically accountable global institutions. The debates have, so far, been muted. But when they emerge, they will be fierce.

For all that, I think most of us have noticed that something has changed, that we are beginning to move on from the playing of games and the staging of parties, that we are coming to develop a more mature analysis, a better grasp of tactics, an understanding of the need for policy. We are, in other words, beginning for the first time to look like a revolutionary movement. We are finding, too, among some of the indebted states of the poor world, a new preparedness to engage with us. In doing so, they speed our maturation: the more we are taken seriously, the more seriously we take ourselves.

Whether we are noticed or not is no longer relevant. We know that, with or without the media's help, we are a gathering force which might one day prove unstoppable.

· www.monbiot.com

© Guardian Newspapers Limited 2003

 

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