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"O
mundo do futuro será uma luta cada vez mais árdua
contra as limitações da nossa inteligência."
Norbert
Wiener(1)
Paul
Virilio
Tradução
Imediata
(Traduzido diretamente do católogo da exposição
Unknown
Quantity. New York, Thames & Hudson/Fondation Cartier pour
l art contemporain. 2002)
Aceh
Province, Sumatra, Indonesia :: Image C Lat: 5.461¡ N Lon: 95.254¡
E Pre-tsunami This image was taken by Space Imaging's IKONOS satellite
on Jan. 10, 2003. The image shows a portion of Aceh Province, Sumatra,
Indonesia. 1M IKONOS Image Acquired: 10 January 2003 Credit Space
Imaging/ CRISP-Singapore Post-tsunami This image was taken by
Space Imaging's IKONOS satellite on Dec. 29, 2004 Ñ just three days
after the devastating tsunami hit the northern shore of Aceh Province,
Sumatra. The image shows an overview of the damage to an area that
is now almost completely underwater. Low-lying agricultural fields
are flooded. The single main road appears to be intact. 1M IKONOS
Image Acquired: 29 December 2004 Credit Space Imaging/ CRISP-Singapore
Não
há ganho sem uma correspondente perda. Se inventar a substância,
é, indiretamente, inventar o acidente, então
quanto mais poderosa e eficiente a invenção, tanto
mais dramático o acidente.
Eventualmente,
chegará o dia fatal em que o progresso do conhecimento se
tornará intolerável, não somente devido ao
seu mau uso, como também em função dos seus
efeitos o próprio poder de sua negatividade.
Tivemos
a confirmação desse fato no decorrer do século
XX, antes pelo nuclear, depois através da corrida pelas armas
termonucleares, onde as próprias armas, em última
instância, se tornaram impossíveis de usar e condenaram
os protagonistas à dissuasão.... a maior dissuasão
possível.
O
próprio poder das armas atômicas também marca
o limite final daquele poder, o qual de súbito se tornou
impotência... Neste caso, é a terrível inutilidade
deste tipo de arma que constitui o acidente.
Ao
invés de combater de verdade, as equipes militares se empenham
em exercícios imaginários de um "jogo-de-guerra"
de somatória zero, no qual a virtualidade é meramente
a marca da falta de conseqüência política das
nações, já que as conseqüências
passam a não ter, praticamente, qualquer importância,
sendo enormes demais para serem apreendidas seriamente e terríveis
demais para serem testadas apropriadamente... exceto para um louco
pelo perpetrador prospectivo de um ataque suicida contra
a humanidade.
Sobre
isso, vejamos o que Friedrich Nietzsche tem a dizer em seu ensaio,
O Nascimento da Tragédia, escrito nos anos seguintes à
guerra franco-prussiana de 1870: "...
uma cultura baseada nos princípios da ciência deve
ser destruída quando começa a crescer de maneira
ilógica, ou seja, a se omitir frente às suas próprias
conseqüências. Nossa arte revela esse mal-estar universal."(2)
Se,
efetivamente, "na tragédia, o estado de civilização
é suspendido"(3), então, com ela,
o inteiro espectro do conhecimento benéfico desaparece. Portanto,
na guerra total, a repentina militarização da ciência,
requerida para a presumida vitória dos oponentes, reverte
toda a lógica e a sabedoria política, a ponto que
a antiga filosofia é seguida pelo absurdo de uma filanóia(4),
responsável por destruir o conhecimento acumulado através
dos séculos... "O poder humano, aumentado excessivamente,
transforma-se então em causa de ruína"(5),
despejando a totalidade da cultura das nações no vazio
das causas perdidas causas irremediavelmente perdidas, seja
em caso de derrota seja de vitória, já que não
é possível desinventar um conhecimento ao mesmo
tempo terrorista e sacrílego para a inteligência científica.
De
forma que, assim como há períodos de mau tempo na
natureza, há também períodos de mau
tempo na cultura e precisaríamos de uma "meteorologia"
positiva da invenção para tentar evitar os temporais
do artifício do Progresso do conhecimento aquele
espírito que gera a potencialização extrema
dos nossos instrumentos e das nossas substâncias e,
conjuntamente, dos acidentes industriais e pós-industriais;
estou pensando em primeiro lugar, na genética e na tecnologia
da informação, que se seguiram às depredações
forjadas pelo progresso atômico, cuja verdade atroz nos foi
revelada em primeira mão por Hiroshima, depois por Chernobyl.
"É
impressionante aquilo que não podem fazer aqueles que tudo
podem fazer", declarou Madame Swetchine no século 19
(6). Esse aforisma resume perfeitamente o paradoxo do
século XX e suas revoluções seriais,
assim como tantas armas empregadas contra a inteligibilidade do
mundo.
Hoje,
no início do século XXI, quando a globalização
que tanto ouvimos elogiar é, em primeiro lugar e principalmente,
o fruto proibido da árvore do conhecimento (em outras palavras,
da chamada "revolução da informação"),
o predador está dando lugar para o exterminador, e o capitalismo
simples para o terrorismo.
Como
o extermínio é, de fato, a conclusão ilógica
da acumulação, o Estado suicida não
é mais tão somente psicológico, associado
à mentalidade de um número de indivíduos perturbados,
mas sociológico e político, até o ponto
em que o acidente generalizado anunciado por Nietzsche agora
incorpora aquela dimensão de pânico na qual a filosofia
do Iluminismo dá lugar ao amor da loucura das grandezas,
uma filanóia de proporções gigantescas. É
isso o que significa, efetivamente, esse acidente do conhecimento,
o qual complementa o acidente da substância que
deriva da pesquisa tecno-científica.
E,
se há três dimensões na matéria
massa, energia e informação, então
depois das longas séries de acidentes relacionados com a
matéria e a energia do século passado, o tempo ao
alcance da mão no presente é o do acidente lógico
e mesmo o acidente biológico, à medida
em que observamos a pesquisa teratológica da engenharia
genética.
"As
máquinas declararam guerra a Deus", escreveu Karl Kraus
famosamente, enquanto a carnificina da Primeira Guerra Mundial estava
começando(7)... Mas, como é que as coisas
estão, hoje em dia, na era de uma globalização
tão decantada pelos advogados do Progresso?
A
globalização do conhecimento, um produto da revolução
das telecomunicações, não somente reduziu o
campo da atividade humana a nada, graças à sincronização
da interatividade, como está causando uma mutação
histórica na própria noção de acidente.
O
local, acidente precisamente situado, de repente deu lugar
à possibilidade de um acidente global, o qual não
mais diria respeito meramente a "substâncias"
a substância do mundo na era do tempo real das trocas
mas o conhecimento que temos da realidade, aquela visão do
mundo que previamente sustentava nossas ciências.
Assim,
depois do acidente da substância, com o século que
acaba de iniciar, estamos inaugurando um acidente sem paralelos,
um acidente da realidade, o acidente do tempo e do espaço,
e da matéria substancial totalmente desconhecida aos cínicos,
mas que foi introduzida gradualmente pelos físicos da relatividade
no decorrer da guerra total.
"O
tempo é meramente uma ilusão", declarou Einstein,
durante aquele período que separou a Primeira da Segunda
Guerras Mundiais. Um acidente do conhecimento histórico,
ou, em outras palavras, da percepção das coisas
uma desrealização positiva este, o produto
de uma realidade agora em vôo acelerado, como as galáxias
na expansão do universo, uma desrealização
cujas devastações já tinham sido pressentidas
por Werner Heisenberg quando ele escreveu, há cinqüenta
anos: "Ninguém sabe o que será real para o ser
humano no fim das guerras que estão agora começando."(8)
Finalmente,
depois da implosão da Guerra Fria entre o Oriente e o Ocidente,
a globalização é, antes de mais nada, um tipo
de jornada ao centro da terra, no brilho escurecedor de uma
compressão temporal que confina o espaço vital da
raça humana de uma vez por todas, algo que alguns utópicos
denominaram de sexto continente, embora se trate simplesmente do
hiper-centro de nosso ambiente.
Tanto
origem quanto fim de um mundo que está agora barrado,
onde todos estão crescentemente atraídos por essa
região central, sem extensão espacial ou temporal,
a qual é simplesmente o auge, o terminal daquela aceleração
da realidade, a qual esmaga nossos cinco continentes e sete
mares entre si, mas, e isto é muito importante, comprime
juntos as nações e os povos do mundo todo.
Uma
compressão telúrica da história da humanidade,
cujo escopo não se registra em nenhum sismógrafo,
apesar dos ecologistas; a compressão daquele cataclisma onde
tudo é repassado pelo telescópio, e que colide com
todo o resto a cada momento e onde todas as distâncias são
reduzidas a nada, despedaçadas por acidente do tempo real
da interatividade; um estremecimento da terra inteira, onde
os eventos não são mais nada do que acidentes simultâneos,
atemporais, na superfície de um objeto celestial excessivamente
comprimido, e onde a gravidade e a pressão atmosférica
são ulteriormente reforçadas pela sincronização
instantânea das trocas.
Nesse
nível de desassossego, a ecologia não é
tanto a da natureza, quanto a ecologia da cultura, e seu efeito
de amadurecimento de catástrofes etológicas.
Efetivamente, com o engolir das proporções, dos períodos
e das escalas de tempo, a abolição instantânea
de todos os intervalos a favor da imediatez, a poluição
das distâncias em escala de tamanho natural do globo nos
ensina infinitamente mais que a poluição das substâncias
da natureza sobre o drama, a tragédia do conhecimento
futuro. Na terrível compressão das extremidades de
um mundo outrora gigantesco em direção ao Centro,
o hiper-centro do único planeta habitável no sistema
solar, "A Natureza pode confiar no Progresso; ela irá
vingar-se dele pelo abuso que ele perpetrou contra ela."(9)
Em
conclusão, permitam-me fazer três perguntas: a ciência
deve tranqüilizar? Ou, ao contrário, a ciência
deve assustar? E, finalmente, a ciência é desumana?(10)
Essas perguntas todas lançam uma luz considerável
sobre a famosa "crise do Progresso", assim como o fazem
na, de modo nenhum subsidiária, crise das recentes mediatizações
das descobertas aquele "expressionismo científico"
subscrito por certos loucos/cientistas, tais como o ginecologista
Severino Antinori, o "Doutor Fantástico" da procriação
assistida, ou o especialista em câncer Friedhelm Hermann,
acusado no outono de 1999 por uma comissão alemã responsável
por detectar fraude nos laboratórios científicos de
ter falsificado os resultados de sua equipe, causando, nas palavras
da imprensa especializada, um verdadeiro "Chernobyl científico!"(11)
Vamos
lembrar aqui que a pesquisa científica não pode se
valer da liberdade de expressão da imprensa sensacionalista
sem acabar, mais cedo ou mais tarde, na filanóia de
uma ciência não só privada de consciência,
como privada de sentido!
Ontem
a bomba atômica, hoje a bomba informacional, amanhã
a bomba genética? Quando, em agosto de 2001, o professor
Antinori apresentou à Academia Americana de Ciências
seu plano para fazer nascer cerca de 200 crianças por clonagem
reprodutiva, prometendo aos "pais" crianças
perfeitas, mesmo se isso significasse eliminar as imperfeitas,
o que é isso senão alucinação demiúrgica?
Prova de que, como se fosse necessário, na ciência,
como em outros campos, o pior às vezes realmente acontece
(12).
Com
o evento radioativo de Chernobyl, os organismos geneticamente modificados,
a clonagem de seres humanos, etc. os especialistas científicos
agora ocupam o centro das controvérsias desses primeiros
dias do terceiro milênio. Daí a criação
de agências especializadas em administração
de risco, de modo a tentar predizer o improvável e o
impensável em questões técnicas e científicas,
já que há décadas temos sido indefesos
face aos maiores riscos que afetam o equilíbrio biológico
e social da humanidade(13). A partir desse ponto de vista
em particular, do "acidente do conhecimento", não
é tanto o número de vítimas que se destaca
como a própria natureza do risco que se corre. Em contraste
com os acidentes rodoviários, ferroviários e aéreos,
o risco não é mais quantificável e estatisticamente
predizível tornou-se inexpressível e profundamente
impredizível, a ponto de causar a emergência de riscos
sem paralelos, risco não mais localizado simplesmente na
dimensão ecológica, mas na escatológica,
já que afeta o poder de antecipação da mente,
ou seja, da racionalidade em si(14).
"A
ruína da alma", escreveu Rabelais, falando do conhecimento
sem consciência e isso nos dá uma outra perspectiva
hoje para abordar os problemas do fim da vida, num período
em que a questão da eutanásia da humanidade
está na agenda, como conseqüência inevitável
de um crepúsculo das bases, o qual parece não
suscitar nenhum tipo de apreensão.
Notas
- (1)Norbert
Wiener, God and Golem Inc. (London/Cambridge, Mass: MIT
Press, 1962), p. 69.
- (2)Nietzsche,
The Birth of Tragedy and other writings (Cambridge: Cambridge
University Press, 1999).
- (3)Ibid.
- (4)A
love of madness.
- (5)Henri
Atlan, La Science est-elle inhumaine? (Paris : Éditions
Bayard Centurion, Collection Temps dune Question,
2002).
- (6)Victor
Hugo, Things Seen, Madame Swetchine, uma amiga do Frade
Henri Lacordaire, era uma cristã-democrata.
- (7)In
these great times (Manchester: Carcanet, 1984), p. 80.
- (8)Werner
Heisenberg, Physics and Philosophy.
- (9)Kraus,
op. cit., p. 56.
- (10)Henri
Atlan, op. cit.
- (11)"Hernamm,
docteur es fraude" (Libération, 26 de outubro
de 1999),
- (12)´ Le
savant fou ª (La Croix, 8 de agosto de 2002).
- (13)Hatchuel,
Armand et al., Experts et in Organizations (Berlin :
Walter de Gruyter, 1995).
- (14)Depois
da estratégia atômica conhecida como "du faible
au fort" (do fraco ao forte), que justificava a extensão
do conceito de deterrence (dissuasão intimidatória)
entre os estados com o "force de frappe" francês,
em 1990 assistiu-se a uma campanha começada para a estratégia
conhecida como "du faible au fou" (do fraco ao louco),
como meio de lidar com os problemas da proliferação
nuclear. Ver Ben Cramer, Le nucléaire dans tous sés
états (Paris: Éditions Alias, 2002).
<devir>
info@imediata.com
M
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